Espírito: HUMBERTO DE CAMPOS.
Senhor Jesus. Há quase dois milênios, estabelecias
o Natal com a tua doce humildade na manjedoura, onde te festejaram todas as
harmonias da natureza. Reis e pastores vieram de longe, trazendo-te ao berço
pobre o testemunho de sua alegria e de seu reconhecimento. As estrelas brilharam
com luz mais intensa nos fulgores do céu e uma delas destacou-se no azul do
firmamento, para clarificar o suave momento de tua glória. Desde então, Senhor,
o mundo inteiro, pelos séculos afora, cultivou a lembrança de tua grande noite,
extraordinária de luz e de belezas diversas.
Agora, porém, as recordações do Natal são muito
diversas.
Não se ouvem mais os cânticos dos pastores, nem se
percebem os aromas agrestes na Natureza.
Um presepe do século XX seria certamente arranjado
com eletricidade, sobre uma base de bombas e de metralhadoras, onde aquela
legenda suave do “Glória in excelsis Deo” seria substituída por um apelo
revolucionário dos extremismos políticos da atualidade.
As comemorações já não são as mesmas.
Os locutores de rádio falarão da tua humildade, no
cume dos arranha-céus, e, depois de programa armamentista, estranharão, para os
seus ouvintes, que a tua voz pudesse abençoas os pacíficos, prometendo-lhes um
lugar de bem-aventurados, embora haja isso ocorrido há dois mil anos.
Numerosos escritores falarão, em suas crônicas
elegantes, sobre as crianças abandonadas, estampando nos diários um conto
triste, onde se exalte a célebre virtude cristã da caridade; mas, daí a
momentos, fecharão a porta dos seus palacetes ao primeiro pobrezinho.
Contudo, Senhor, entre os superficialismos desta
época de profundas transições, almas existem que te esperam e te amam. Tua
palavra sincera e branda, doce e enérgica, lhes magnetiza os corações, na
caprichosa e interminável esteira do tempo. Elas andam ocultas nas planíces da
indiferença e nas montanhas da iniqüidade deste mundo. Conservam, porém,
consigo a mesma esperança na tua inesgotável misericórdia.
É com elas e por elas que, sob as tuas vistas
amoráveis, trabalham os que já partiram para o mundo das suaves revelações da
Morte. É com a fé admirável de seus corações que semeamos de novo, as tuas
promessas imortais, entre os escombros de uma civilização que está agonizando,
à mingua de amor.
É por essa razão que, sem nos esquecermos dos
pequeninos que agrupavas em derredor da tua bondade, nos recordamos hoje, em
nossa oração, das crianças grandes, que são os povos deste século de pomposas
ruínas.
Tu, que é o príncipe de todas as nações e a base
sagrada de todos os surtos evolutivos da vida planetária; que és a misericórdia
infinita, rasgando todas as fronteiras edificadas no mondo pelas misérias
humanas, reúne a tua família espiritual, sob as algemas da fraternidade e do bem
que nos ensinaste!...
Em todos os recantos do orbe, há bocas que maldizem
e mãos que exterminam os seus semelhantes. Os espíritos das trevas fazem chover
o fogo de suas forças apocalípticas sobre as organizações terrestres, ateando o
sinistro incêndio das ambições, na alma de multidões alucinadas e desvalidas.
Por toda a parte, assomam os falsos ídolos da impenitência do mundo e místicas
políticas, saturadas do vírus das mais nefastas paixões, entornam sobre os
espíritos o vinho ignominioso da Morte.
Mas, nós sabemos Senhor como são falazes e
enganadores as doutrinas que se fartam da seiva sagrada e eterna dos teus
ensinos, porque dissipas misericordiosamente a confusão de todas as almas,
ainda que os seus arrebatamentos se apóiem nas paixões mais generosas.
Tu, que andavas descalço pelos caminhos agrestes da
Galiléia; faze florescer, de novo, sobre a Terra, o encanto suave da
simplicidade no trabalho, trazendo ao mundo a luz cariciosa de tua oficina de
Nazaré!...
Rua, que és a essência de nossos pensamentos de
verdade e de luz, sabes que todas as dores são irmãs uma das outras, bem como
as esperanças que desabrocham nos corações dos teus frágeis tutelados, que
vibram nos mesmos ideais, aquém ou além das linhas arbitrárias que sos homens intitularam
de fronteiras!
Todas as expressões da filosofia e da ciência dos
séculos terrenos passaram sobre o mundo, enchendo as almas de amargosas
desilusões. Numerosos sábios e numerosos políticos te ridicularizaram,
desdenhando as tuas lições inesquecíveis, mas, nós sabemos que existe uma
verdade que dissimulaste aos mais inteligentes para a revelerares às
criancinhas, encontrada, aliás, por todos os homens, filhos de todas as raças,
sem distinção de crenças ou de pátrias, de tradições ou de família, que
pratiquem a caridade em teu nome...
Pastor do rebanho de ovelhas tresmalhadas, desde o
primeiro dia em que o sopro divino da vontade do Nosso Pai fez brotar a erva
tenra, no imenso campo da existência terrestre, pairas acima de todos os povos
e de suas transmigrações incessantes, no curso do tempo, ensinando as criaturas
humanas a consideras o nada de suas inquietações, em face do dia glorioso e
infinito da Eternidade!...
Agora, Senhor, que as línguas da impiedade
conclamam as nações para um novo extermínio, manifesta a tua bondade, ainda uma
vez, aos homens infelizes, para que compreenda, a tempo, a extensão do seu ódio
e de sua perversidade.
Afasta o dragão da guerra de sobre o coração
dilacerado das mães e das crianças de todos os países, curando as chagas dos
que sangram de dor selvagem à beira dos caminhos.
Revela aos homens que não há outra força além da
tua e que nenhuma proteção pode existir além daquela que se constitui da
segurança de tua guarda!
Ensina aos sacerdotes de todas as crenças do Globo,
que falam em teu nome, o desprendimento e a renúncia dos bens efêmeros da vida
material, a fim de que entendam as virtudes do teu reino, que ainda não reside
nas suntuosas organizações dos Estados deste mundo!
Tu, que ressuscitaste Lázaro das sombras do
sepulcro; revigora o homem moderno, no túmulo das suas vaidades apodrecidas!
Tu, que fizeste que os cegos vissem, que os mudos
falassem, abre de novo os olhos rebeldes de tuas ovelhas ingratas e desenrola
as línguas da verdade e do direito, que o medo paralisou, nesta hora torva de
penosos testemunhos!
Senhor, desencarnados e encarnados, trabalhamos no
esforço abençoado de nossa própria regeneração, para o teu serviço divino!
Nestas lembranças do Natal, recordamos a tua figura
simples e suave, quando ias pelas aldeias que bordavam o espelho claro das
águas do Tiberíades!... Queremos o teu amparo, Senhor, porque agora o lago de
Genesaré é a corrente represada de nossas próprias lágrimas. Pensamos ainda,
ver-te, quando vinhas de Cesareia de Filipe para abraças o sorriso doce das
criancinhas... De teus olhos misericordiosos e compassivos, corria uma fonte
perene de esperança divina para todos os corações; de tua túnica humilde e
clara, vinha o símbolo da paz para todos os homens do porvir e, de tuas
palavras sacrossantas, vinha a luz do céu, que confunde todas as mentiras da
Terra!...
Senhor, estamos reunidos em teu Natal e suplicamos
a tua bênção!... Somos as tuas crianças, dentro da nossa ignorância e da nossa indigência!...
Apieada-te de nós e dize-nos ainda:
- “Meus
filhinhos...”.
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