25 de dez. de 2013

O IRMÃO DO CAMINHO


Simeão era muito moço ainda
Quando escutou a história de Jesus
E, acendendo esperanças na alma linda,
Inflamou—se de fé, amor e luz...

Morando numa choça da montanha
Junto de antiga estrada, sem vizinho,
Era a bondade numa vida estranha,
O amigo dedicado aos irmãos do caminho.

Lia os ensinamentos do Senhor,
Mas afirmava precisar
De ação que lhe exprimisse o grande amor
Na fé que decidira praticar.

Na pequena morada, pobre e agreste,
Cavou no solo um poço ... Água de mina,
Que ele, olhos em luz e sorriso na face
Oferecia a quem passasse
Por lembrança de paz da Bondade Divina...

Viajores a pé, na vereda escarpada,
Se chegavam ali, no entardecer,
Podiam descansar das fadigas da estrada,
Ouvindo Simeão que os fazia viver
Casos da natureza simples e selvagem
Era a história das aves de viagem
Que paravam por lá, na primavera,
A descrição dos melros e dos ninhos
Que defendiam valorosamente
Os frágeis filhotinhos
A saga do pardal inteligente
Que lhe comia as uvas do quintal
Em seguida, falava aos interlocutores,
Das lições de Jesus, da beleza das flores,
Do Sol no amanhecer e das flautas do vento...
E se alguém lhe indagava de onde vinha
Para a estreita choupana que o detinha,
Explicava, de jeito improvisado,
Que ele fora, ao nascer, um pequeno enjeitado
Às portas de um convento.

 
Crescera trabalhando em lavação de prato,
Mas amava a Jesus, de tal maneira,
Que, homem feito, o mosteiro lhe doara
O recante de mato,
Na montanha empedrada
E os restos da tapera abandonada
Onde ele cultivava uma antiga parreira...

Quando a noite avançava,
O irmão do caminho
Colocando em trabalho a candeia de azeite,
Dava a cada viajante
A tigela de leite
Que provinha das cabras que criava
Mas, não ficava nisso
Fizera Simeão um compromisso:
Recordando Jesus,
Ante os primeiros doze seguidores,
Lavava os pés de todos os viajores;
Logo após, era, enfim, uma prece ligeira
Antes que cada um tomasse a própria esteira.

Simeão alcançara os oitenta janeiros,
Trabalhando e servindo, dia—a—dia,
Sem quaisquer outros companheiros
Que não fossem viajantes
A pedirem pousada, companhia,
Uma noite de paz ou um copo de água fria.

Certa noite chuvosa, escorado a um bordão
De corpo recurvado para o chão,
O estimado velhinho
Sentia—se sozinho ...
De quando em quando, abria a porta,
Podia haver alguém varando a noite fria e morta,
Mas não havia ninguém...

Era Natal ... Quase ninguém saía
Dos recessos do lar
A fim de relembrar
A noite que trouxera o Grande Dia.
 
Antes de recolher—se, Simeão
Meditando em Jesus colocou sobre a mesa
Uma flor lirial da natureza
E depôs sobre ela,
Qual medalha singela,
Uma efígie miúda de criança
Com Jesus pequenino na lembrança...
Em seguida, deitou—se fatigado,
Deixando, a muito custo, o apoio do cajado...
O velhinho velava, ouvindo a voz do vento...
Lá fora, o temporal fizera—se violento.
 
Alta noite, uma voz chamou, baixinho:
— “Simeão, Simeão... Meu irmão do caminho...‘
— “Quem sois vós ?” — respondeu o interpelado.
— “Um peregrino desacompanhado...
Rogo pousada, irmão!” — clamou o forasteiro,
Ergeu—se devagar o cansado hospedeiro.
Fez luz, abriu a porta.
Mas o vento apagou a chama semi—morta.
— “Entrai!...” — disse o velhinho,
— “Agora sei que não estou sozinho.”

 
Acendendo, de novo, a mecha da candeia,
Ante o brando clarão que renasce e se alteia,
Vê o recém—chegado a se acolher num canto...
Era um homem de rosto triste e doce,
Calado qual se fosse
Alguém a ouvir os próprios pensamentos...
Simeão enxergou—lhe os pés sangrentos,
Os cabelos molhados, a tristeza
Fez fogo para dar—lhe o leite quente
E, ao estender—lhe a humílima tigela,
Indagou—lhe o viajor
Por que a flor singela
Que ele notava sobre a mesa em frente?
Simeão respondeu ao peregrino:
— “Estamos no Natal e muitas vezes penso
Que Nossa Mãe do Céu, em seu amor imenso

Era uma flor de Deus, dando à luz um menino...
O homem sorriu sem nada comentar...
O velhinho, entre passos mal firmados,
Sempre movimentando a luz acesa,
Troxe a bacia de água morna e leve
Mergulhando-lhe os pés ensangüentados...
Ao ver-lhe os dedos maltratados,
Disse ao viajor, tomado de surpresa:
— “Quanto sangue verteis!... Como tendes andado!”
Deu—lhe o estranho viajante esta resposta leve:
— “Deus te abençoe, amigo, a assistência bem—vinda!
Creio que devo andar    por muito tempo ainda ! ...”

De joelhos, Simeão,
Em lhe lavando os pés com infinito carinho,
A refletir nas ppedras do caminho,
Ao lhe tocar nas crostas das feridas
A fim de removê-las,
Viu que as chagas abertas
Eram duas estrelas...
O velhinho assombrado
Buscou fitar—lhe as mãos com ternura e respeito
E viu que estavam nelas
Grandes marcas da cruz, luminosas e belas,
Ampliando o fulgor que lhe envolvia o peito ...
Ele grita, chorando de alegria:
— “Jesus!... Sois vós Jesus?! ...”
E o Senhor, levantando as mãos em luz,
Disse, abraçando o ancião:
— “Vem a mim, Simeão,
É chegado o teu dia
De repouso e de luz no Mais Além...”
Simeão esqueceu a velhice e o cansaço...
E pousou a cabeça em seu regaço...

Depois do amanhecer, outros viajantes
Chegaram como dantes,
Pedindo água, descanso, reconforto,
Mas viram que o irmão e irmão do caminho
De joelhos, parado, ali sozinho,
Muito embora sorrisse, estava morto...
 

MARIA DOLORES
(Psicografia de Francisco Cândido Xavier)
Para baixar em ppt:
http://www.4shared.com/office/SodbDV_3/O_IRMO_DO_CAMINHO_2014.html

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